Oi, vem, entra… Sei que deixei a porta muito tempo trancada, é que estava um tempo muito estranho lá fora, fiquei com medo de todas aquelas nuvens escuras e minha pele estava tão sensível que parecia que os ventos me atravessavam a alma, sentia tanta dor que me cansei de chorar. Senta aí, desculpa a desordem e todas essas coisas amontodas, eu as ganhei, apareceram no meu caminho e eu sem saber o que fazer delas, fui juntando. Olha só como a casa está repleta de quinquilharias! Me tranquei aqui para me preservar e de repente começaram a surgir, através das paredes, essas coisas.
Quer beber algo? A verdade é que a única bebida que tenho aqui é esse líquido verde, mata a sede, mas é amargo. Não tenho nada doce e nem mesmo insípido para oferecer.
Por favor, não toque em nada, tudo aqui é muito frágil. Ontem mesmo destruí uma janela ao tentar abri-la e a dor que eu senti foi intensa. Não entendi como pude sentir isso, não consigo entender essas coisas.
Você me parece assustado e está tão diferente de antes, por que está tão calado? Recordo-me que um dia estivemos juntos e que foi um tempo bom. A sua presença me fazia uma pessoa mais feliz. Naquela época eu tinha bebidas doces e minha casa era bem mais limpa e organizada. Por onde esteve? Senti tanto a sua falta.
Já sei, você foi apenas mais um que se esqueceu de mim. Não entendo como de repente me vi tão só. Sempre que olho pela janela é noite e faz frio. Tive medo de abrir a porta das outras vezes que bateram, eu acreditava que pudesse ser alguém que me quisesse ferir, mas quando finalmente eu tive coragem vi que era você. Teria sido você das outras vezes?
Por que está sorrindo para mim? Lembro do quanto eu te tratei mal e desprezei. Sinceramente não me sinto merecedora da sua visita. Mas pelo seu sorriso penso que me perdoou e eu nunca soube muito bem dessas coisas.
Não, por favor não me abrace. Me deixe! Na minha solidão me acostumei com o sabor do fel e seu cheiro tão doce vai me desnortear, sou bala azeda que vai ficar confusa misturada às jujubas. Será que você compreende essas coisas?
E agora me diz, o que veio fazer aqui? Tudo bem que eu te deixar entrar, mas isso não te dá o direito de querer fazer parte da minha vida outra vez. Não te quero mais, entendeu? Sei bem hoje, qual é meu lugar, onde me encaixo, como me situo dentro do meu mundo àspero e estou tentando conviver bem com essas coisas.
Não adianta me olhar com essa cara de piedade, agora você já está me tirando do sério. Começo a me arrepeder de ter te aberto a porta. Se veio para me mostrar esse ar de quem tem pena, trata de sair correndo daqui!
É, fiquei arredia sim, a sua presença ao mesmo tempo que me faz bem também me incomoda muito. Sua proximidade me deixa mais frágil do que já me sinto. Tenho vontade de chorar, de me grudar num pescoço qualquer como táboa de salvação e definitivamente eu não quero passar por essa cena ridícula de carência. Estou triste, sim. Problema meu, não é? Porque acha que pode ser a razão de alguma felicidade minha? Eu sofri muito quando estive com você. Acredite, você me trouxe mais dor do que motivos de sorriso.
Vai, sai daqui! Essas coisas me embrulham o estômago e já começo a sentir sede do meu líquido amargo e toma cuidado porque esqueci de aparar minhas garras, elas andaram crescendo absurdamente nos últimos tempos. Não percebe o quanto me deixa fraca e estúpida? Me desculpe as verdades duras, mas é exatamente assim que me sinto perto de você, acho que esse líquido amargo que me mata a sede também me mata a falsidade porque só tenho sentido desejo de vomitar todas essas coisas que me fazem mal.
Não comece a chorar, essas lágrimas não me comoverão. Vai embora! Se apenas alguns instantes do seu lado já me deixam aturdida não cometeria a insensatez de te querer de volta.
Estou fria, estou grosseira e criei uma casca rígida à muito custo, não vai ser agora que vou me deixar quebrar.
Espero que entenda todas essas coisas. Acho que posso me virar mais um tempo sem você, romantismo.
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